Considerado o segundo maior bioma brasileiro, com uma área total de cerca de 2 mil km² distribuídos em mais de 10 estados do país, o Cerrado é conhecido como a savana mais biodiversa de todo o mundo, apresentando flora bastante endêmica e sendo por tal considerado um dos hotspots mundiais presentes no nosso país, juntamente com a Mata Atlântica.
Especialistas apontam que esse endemismo e grande biodiversidade no Cerrado podem ser resultados de aspectos relacionados ao clima, ao solo e ao regime natural de fogo característico do bioma, desaconselhando a supressão total deste elemento em projetos de conservação. Mas as recorrentes queimadas causadas pela ação humana colocam em risco a preservação do Cerrado e toda a importância socioeconômica que o bioma representa para o Brasil.
Características gerais do Cerrado
Localizado basicamente no Planalto Central Brasileiro, o Cerrado abrange os estados de Goiás, Tocantins, Distrito Federal, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo. É caracterizado pelo clima tropical, com temperaturas anuais variando entre 22 e 23ºC e duas estações bem definidas: verões chuvosos e invernos secos. Já os índices de precipitações anuais apresentam médias entre 1200 e 1800 mm, com a quantidade média de chuva podendo atingir de 30 a até 0 mm em meses de seca.
Em relação à diversidade faunística, o Cerrado apresenta mais de 3 mil espécies de animais, incluindo mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Além disso, há também uma imensa diversidade de invertebrados, com mais de 12 mil espécies do grupo documentadas e diversos outros invertebrados ainda não devidamente documentados.
Tratando-se por fim da vegetação, o Cerrado apresenta diversas fitofisionomias com características distintas e, em alguns casos, altamente endêmicas, em todo o seu domínio, que podem ser divididas em:
Formações Florestais: Matas de Galeria, Matas Ciliares, Matas Secas e Cerradão;
Formações Savânicas: Cerrado sensu stricto, Veredas, Parque de Cerrado e Palmeiral;
Formações Campestres: Campo Sujo, Campo Limpo e Campo Rupestre.
Atualmente, o Cerrado é considerado o segundo bioma mais ameaçado do Brasil, pois cerca de 50% a 80% de suas áreas encontram-se degradadas ou em uso para agropecuária, e pouco menos de 4,5% está protegido em Unidades de Conservação.
Histórico e mecanismos das queimadas naturais
Os registros da ocorrência de queimadas naturais no Cerrado datam de cerca de 32 mil anos atrás, no final da época geológica conhecida como Pleistoceno e antes da ocupação humana nas Américas. Isso sugere que o fogo já vem desempenhando, ao longo de milhares de anos, um importante papel na forma como as fitofisionomias são compostas e distribuídas em toda a extensão do bioma, visto que a maior parte delas são tidas como ecossistemas dependentes de fogo.
Adaptações apresentadas pela flora como, por exemplo, caules espessos em espécies arbóreas/arbustivas e sistemas subterrâneos altamente desenvolvidos em espécies sub lenhosas/herbáceas, também evidenciam a evolução de boa parte plantas do Cerrado em função do fogo.
Em geral, as queimadas naturais ocorrem logo no início da estação chuvosa e são ocasionados pela ocorrência de raios e pelo acúmulo da serrapilheira seca e inflamável. Esses incêndios são sucedidos por chuvas intensas, o que permite que a vegetação nativa rebrote normalmente. Assim, pode-se concluir que a sazonalidade natural do regime de fogo é um fator determinante no papel desse elemento para a conservação da biodiversidade do Cerrado.
Impactos das ações antrópicas
Quando o fogo ocorre de forma natural na época mais propícia do ano, ele representa o renascimento e manutenção da diversidade. Porém, quando é causado pela ação humana, o que tem se tornado cada vez mais comum, passa a representar um sério risco para o bioma.
De acordo com o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram detectados 17.582 focos de queimadas no Cerrado entre janeiro e julho de 2022, o que representa um aumento de 6% em comparação ao mesmo período em 2021 e um aumento de 24% em relação à média dos últimos 10 anos.
Em relação à área queimada, entre janeiro e junho deste ano foram atingidos 21.346 km², um aumento de 16% em comparação a junho do ano passado. Tais aumentos se relacionam fortemente tanto ao avanço do agronegócio no bioma, que muitas vezes utiliza-se de um manejo inadequado do fogo para expandir de fronteiras agrícolas e renovar pastagens e áreas de plantio, quanto às mudanças climáticas causadas pelo também crescente desmatamento que assola o Cerrado nos últimos anos.
À respeito da vegetação, o aumento na frequência e na intensidade das ocorrências de incêndios no Cerrado representam uma quebra na sazonalidade do regime natural de fogo, o que prejudica severamente fitofisionomias mais vulneráveis ao fogo como, por exemplo, as Matas de Galeria e as Matas Ciliares, e afeta a regeneração natural das espécies. Tais impactos geram fragmentação e degradação de hábitats e perdas em biodiversidade, o que é extremamente alarmante devido ao alto índice de endemismo florístico da região.
Já em relação à fauna, as queimadas causam muita mortalidade diretamente pelas queimaduras, atingindo geralmente mamíferos de grande porte. Além disso, elas também reduzem a oferta de alimentos e hábitats, impactando assim populações de pequenos mamíferos, aves, répteis, invertebrados e demais grupos. Esse quadro é agravado pelo fato de ainda cerca de 130 espécies de animais do Cerrado estarem ameaçadas de extinção.
Os problemas socioeconômicos que a degradação do Cerrado acarretam à população também devem ser considerados. Dentre eles podemos destacar:
Aumento da concentração de CO2 na atmosfera: impacta na qualidade do ar e na saúde respiratória das pessoas;
Incapacidade de retenção de umidade pelo solo: pode acarretar sérias crises de abastecimento hídrico, pois os rios do Cerrado abastecem 8 das 12 regiões hidrográficas do Brasil;
Agravamento das crises climáticas e secas prolongadas;
Futuras dificuldades na produção agropecuária e queda do interesse turístico da região;
Impactos na vida de populações tradicionais: o Cerrado tem grande importância cultural, social e econômica para indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, vazanteiros, agricultores familiares e outros povos tradicionais que dependem do bioma para sobreviverem e lutam continuamente para mantê-lo vivo e conservado.
Medidas a serem tomadas
Para combater os impactos negativos das queimadas antrópicas no Cerrado, é necessário que o poder público invista na estruturação de programas de controle e monitoramento de queimadas, além da adoção de práticas de manejo de fogo específicas para cada tipo de fitofisionomia do bioma. Um bom exemplo foi a aprovação pela Câmara de Deputados do Projeto de Lei 11276/18, que objetiva estabelecer a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) e agora tramita no Senado.
A população também tem um papel importante no combate a degradação do Cerrado e de outros biomas causada pelo excesso de queimadas. É importante eleger governantes que realmente mostrem preocupação com a conservação ambiental e que apresentem propostas e estratégias para que a biodiversidade brasileira seja preservada, além de cobrar dos mesmos que cumpram os compromissos assumidos.
Além disso, é essencial que a sociedade exerça pressão sobre o poder público, cobrando o fim do sucateamento de órgãos de proteção ambiental e um maior rigor na aplicação e cumprimento de legislações ambientais por parte grandes empresas e representantes do setor agropecuário, que colocam em grande risco tanto a biodiversidade quanto a vida das pessoas quando não são fiscalizados e responsabilizados de forma rígida e adequada.
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REFERÊNCIAS
Agro Insight. Impacto das queimadas no agronegócio e no ambiente. 2021. Disponível em: <https://agroinsight.com.br/impacto-das-queimadas-no-agronegocio-e-no-ambiente/>. Acesso em: 14 de out. de 2022.
Brasília Ambiental. Bioma Cerrado. 2018. Disponível em: <https://www.ibram.df.gov.br/bioma-cerrado/>. Acesso em: 12 de out. de 2022
Embrapa. Bioma Cerrado. Disponível em: <https://www.embrapa.br/cerrados/colecao-entomologica/bioma-cerrado>. Acesso em: 12 de out. de 2022
Instituto Jurumi. Especial Fogo Cerrado. 2022. Disponível em: <https://www.institutojurumi.org.br/2022/09/fogo-cerrado.html#more>. Acesso em: 12 de out. de 2022.
OLIVEIRA, José Carlos. Pesquisadores apontam sugestões para conter a devastação do Cerrado. 2021. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/762417-pesquisadores-apontam-sugestoes-para-conter-a-devastacao-do-cerrado/>. Acesso em: 15 de out. de 2022.
PINHEIRO, Lara. Dia Nacional do Cerrado: bioma já perdeu 50% da vegetação original e pesquisadoras alertam para aumento do desmate e do fogo. 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/11/dia-nacional-do-cerrado-bioma-ja-perdeu-50percent-da-vegetacao-original-e-pesquisadoras-alertam-para-aumento-do-desmate-e-do-fogo.ghtml> . Acesso em: 14 de out. de 2022.
WWF-Brasil. Queimadas aumentaram na Amazônia e no Cerrado nos sete primeiros meses de 2022. 2022. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/?83068/Queimadas-aumentaram-na-Amazonia-e-no-Cerrado-nos-sete-primeiros-meses-de-2022#:~:text=Entre%20janeiro%20e%20junho%20deste,a%20junho%20do%20ano%20passado>. Acesso em: 14 de out. de 2022.
Sobre a autora: Thamara Eduarda Mineiro - Graduanda em Ciências Biológicas/Bacharelado na UFU, apaixonada por natureza, música e animes
Contato: thamara.minasbio@gmail.com
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