Quando falamos em gambá muitas pessoas remetem àqueles animais pretos com listras brancas pelo corpo que liberam substâncias com cheiro ruim para afastar seus predadores, mas o que a maioria das pessoas não sabem é que esse animal mencionado não é um gambá, é na verdade um carnívoro, da família Mustelidae, conhecido também por jaratataca, cagambá ou zorrilho.
No Brasil, a jaratataca (ou cagambá) ocorre nos biomas cerrado e caatinga, enquanto o zorrilho ocorre no pampa, no sul. Esses animais são parentes próximos às lontras e furões, geralmente estão associados a áreas mais abertas e possuem hábitos noturnos. A famosa liberação do odor forte ocorre por glândulas anais, por meio de jatos que podem alcançar até 3 metros, com o objetivo de afastarem os predadores, sobrecarregando seus olfatos temporariamente.
O “verdadeiro” gambá na verdade é marsupial da família Didelphidae, que ocorre amplamente nas américas. No território brasileiro há pelo menos 4 espécies: Didelphis albiventris, Didelphis aurita, Didelphis imperfecta e Didelphis marsupialis. Embora também tenha glândulas liberadoras de odores, chamadas glândulas paracloacais, essas substâncias voláteis são amenas e mais relacionadas a feromônios e a defesa de território, e não são eliminadas em forma de jato.
Os gambás são criaturas surpreendentes, a começar pelo fato de serem animais com um curtíssimo tempo de gestação, os filhotes nascem prematuros e terminam seu desenvolvimento em uma bolsa na região ventral da fêmea, chamada marsúpio, onde são amamentados, por isso são classificados como marsupiais, e possuem o famoso parentesco com os cangurus.
São animais solitários e noturnos, possuem uma cauda preênsil, que auxilia a subida nas árvores, além de contarem também com dedos longos, garras e almofadas nas mãos e pés. São animais onívoros e altamente generalistas, ou seja, comem diversos tipos de alimentos como flores, sementes, frutos, insetos, ovos, pequenos mamíferos e répteis.
Por ingerirem sementes e flores, os gambás são excelentes dispersores de sementes e pólen, isso porque a semente ao passar por seu tubo digestório é escarificada, processo que auxilia a sua germinação. Em uma pesquisa realizada por Cáceres e Monteiro-Filho em 2007, eles observaram que algumas espécies vegetais podem se beneficiar ou até serem dependentes da passagem pelo tubo digestório dos gambás para a sua germinação, como a Rubus rosifolius, árvore cujo fruto é a amora-vermelha.
Isso significa que os gambás têm um papel importante na manutenção dos ecossistemas e biodiversidade. Nessa pesquisa citada os pesquisadores ainda sugerem que os gambás podem ser utilizados em programas de recuperação de áreas degradadas, já que são essenciais para a dispersão e possível germinação das sementes.
Mas sua importância não se resume a isso, um fato muito interessante é que os gambás são imunes a animais peçonhentos, portanto, são capazes de comer escorpiões e serpentes. Essa imunidade foi adquirida por meio da coevolução dos gambás com esses animais, por isso muitos estudos buscam utilizar a imunidade natural do gambá para o desenvolvimento de soros antiofídicos, aqueles utilizados em acidentes com serpentes peçonhentas.
Por isso gambás também são considerados ótimos aliados para controle biológico, não apenas pelo fato de se alimentarem de serpentes e escorpiões, mas também porque consomem insetos e roedores, que são animais que podem se tornar pragas urbanas e potenciais vetores de doenças, como doença de chagas, leptospirose, hantavirose, entre outras.
Devido aos seus hábitos generalistas, os gambás estão cada vez mais próximos de áreas antrópicas, principalmente em época reprodutiva, que a fêmea precisa garantir alimento para os filhotes. Isso torna os encontros com os humanos mais desastrosos, isso porque, com o peso de seus filhotes, as fêmeas ficam mais lentas e acabam sendo atropeladas. Há casos também que os gambás são vítimas da ignorância das pessoas, que os matam sem saber de sua enorme importância para a natureza.
Infelizmente as pessoas machucam ou matam os gambás por confundi-los com as jaratatacas, acreditando que esses iriam liberar odores fortes. Dispensa a necessidade de dizer aqui que mesmo se fosse o caso, isso jamais justificaria causar qualquer dano a esses animais, já que as jaratatacas também são importantíssimas para a nossa fauna e para o equilíbrio dos ecossistemas, mas a informação errada nesse caso reforça o estigma desses animais.
É necessário salientar que embora tenham longas presas, os gambás são inofensivos. Quando confrontados, sempre tendem a recorrer a fuga dos humanos e predadores, também utilizam como estratégia de defesa o rosnado e a tanatose, que é se fingir de morto. Em todos os casos os gambás só querem existir em paz e cabe a nós espalharmos sua importância para que as pessoas tenham conhecimento e contribuam para a sua conservação.
REFERÊNCIAS:
CÁCERES, N. C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Editora UFMS, 2012.
CÁCERES, N.C. & MONTEIRO-FILHO, E.L.A. Germination in seed species ingested by opossums: implications for seed dispersal and forest conservation. Brazilian Archives of Biology and Technology, 2007. 50: 921-928.
KASPER, C. B. & RAISSA, P. M. De Onde Esse Cheiro Vem? 2017. Disponível em: < https://cienciapampiana.wixsite.com/cienciapampiana/de-onde-esse-cheiro-vem> Acesso em: 17/10/2023.
Instituto Últimos Refúgios. Você sabe o que é um Gambá? E um Cangambá? 2009. Disponível em: <https://www.ultimosrefugios.org.br/single-post/2019/06/26/voce-sabe-o-que-e-um-gamba-e-um-cangamba> Acesso em: 17/10/2023.
Sobre a autora: Suzanne Stefanny Vieira Lopes - Graduanda em Ciências Biológicas na UFU, ama arte e a natureza em todas as formas de vida, com exceção de dípteros.
Contato: suzanne.minasbio@gmail.com.